terça-feira, 20 de janeiro de 2009

César Cielo: "Quando quebrar o recorde mundial, vou sossegar"
Em entrevista exclusiva, campeão olímpico fala sobre depressão, mulheres, imprensa e seus sonhos

A vida de César Cielo virou de cabeça para baixo depois que conseguiu a primeira medalha de ouro olímpica da história da natação brasileira — nos 50m livre, em Pequim. Adeus anonimato para o garoto da pequena Santa Bárbara d'Oeste, cidade do interior de São Paulo, que completa 22 anos no próximo dia 10. Pedido para apoiar candidatos a prefeitos, novos patrocinadores, capa de revista, fotos com pose de símbolo sexual. Irônico, ele ri de tudo, principalmente do desconhecimento sobre natação de grande parte da imprensa esportiva brasileira, especializada em futebol. Apesar de proibido de namorar, não esconde a vontade de conhecer bem as globais Deborah Secco e Alinne Moraes. Mostra coragem para desafiar o presidente da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA), Coaracy Nunes. E continua com a mania que aprendeu nos livros de auto-ajuda de Lair Ribeiro. — Todos os dias escrevo um desejo no papel — diz. O bilhete mais importante que escreveu para si mesmo está no teto do seu quarto. Amigos garantem que nele está escrito "21s00". Ou seja: o novo recorde dos 50m livre, que hoje é de 21s28 e pertence ao australiano Eamon Sulivan. Em entrevista exclusiva, o nadador mostra estar amadurecido para enfrentar até o seu maior inimigo: a depressão por estresse que quase o travou três meses antes da Olimpíada, quando fez o Brasil chorar de orgulho. Por falar em ouro, sua medalha está trancada em um banco. — Eu sei como é o meu país e não posso dar chance para que ela seja roubada, derretida como fizeram com a Copa que o Brasil ganhou em 1970, no México. Se eu não soubesse que ela está trancada num cofre, não teria condições psicológicas para nadar — revela o vencedor do prêmio masculino de melhor atleta do ano, dado pelo Comitê Olímpico Brasileiro há 10 dias. Confira a entrevista Pergunta — Depois da Olimpíada, você entrou em rota de colisão com a CBDA. Pode explicar sua briga com o presidente Coaracy Nunes? César Cielo - Não é briga. Eu quero transparência. Ninguém sabe quanto a CBDA recebe dos Correios. É um absurdo. Eu ganhava R$ 1,2 mil antes da Olimpíada. Agora recebo R$ 6 mil. Não sei se é muito, se é pouco. Mas eu queria saber como chegaram a esse cálculo. E quanto a CBDA recebe dos Correios? Nenhum atleta sabe. Todos se calam. Sei que estou sozinho. Falta coragem aos outros atletas. Posso questionar porque ganhei uma medalha olímpica. Sei que posso estar incomodando, mas defendo a transparência. Existem alguns que tentam me desmentir por puro medo de perder o pouco de apoio que recebem. A situação da natação brasileira é triste: cada um por si e Deus por todos. Apoio oficial não existe. Não existe. Pergunta — Você não tem medo de se queimar reclamando publicamente? Cielo - Não, porque sou uma pessoa de princípios. Posso ser novo, mas sei o que é certo e errado. Não concordo com a maneira com a qual a CBDA trata seus atletas. Eu mesmo não vou em 2009 nadar as competições que a CBDA determinar. Vou fazer o calendário que for conveniente para mim. Fico triste pelos outros nadadores que fazem provas que não acrescentam nada, por ter de seguir sempre em bando. A CBDA não age de maneira moderna e não pensa individualmente nos atletas. É um absurdo e eu não vou ficar quieto. Pergunta — Sua postura firme é porque seu sucesso nas piscinas aconteceu graças a sua família? Cielo - Lógico. Não sei se posso ser considerado aborto da natureza ou fracasso do Brasil, como alguém já me disse. Fracasso porque consegui o que consegui graças ao suor dos meus pais. E não de uma estrutura esportiva montada no Brasil. Isso não existe. O meu sucesso é da minha família e não de uma política esportiva brasileira. Pergunta — Por falar em dificuldade, explique como superou a depressão que enfrentou em maio deste ano. E quase o tirou da Olimpíada. Esse foi um assunto sigiloso. Cielo - Ah...Foi muita pressão, muito estresse. Eu treinava demais e chegou uma hora em que pensei em parar com tudo. O treinamento de um nadador de elite é próximo à escravidão. O pior é que eu tinha de esconder de todos. Estava a ponto de explodir. Procurei um psicólogo. Ele me disse para escrever as minhas dificuldades na semana para debatê-las. Achei ridículo, mandei-o para o inferno e decidi enfrentar sozinho. A cura tinha de estar na piscina. A minha força para superar a depressão foi superar os tempos a que me propunha fazer. Eu contra o relógio. Pergunta — Você não tem medo de que a depressão volte? Cielo - Não. O treinamento é estafante, eu sou o meu pior inimigo. Me critico e exijo cada vez mais. Me sinto mais forte e mais esperto. Quando estiver passando dos limites, vou brecar um pouco e repensar os treinos. Não vou deixar a depressão chegar de novo. Quando eu quebrar o recorde mundial vou sossegar (risos). Pergunta — Na Universidade de Auburn, onde você cursa Comércio Exterior e compete, a disciplina é rígida demais também? Cielo - Sim. Assinei um contrato em que sou proibido de namorar. Se estivesse namorando precisaria ter a certeza que minha namorada não me causaria estresse na época de competições para não me atrapalhar. Não beber álcool. Até acreditar nas vitórias e tudo fazer pelo time de natação da Universidade. Muitos não agüentam e são expulsos. Pergunta — Mas você não namora? Cielo — Ah, descobri um jeito de não burlar a lei. Saio com as meninas uma, duas vezes. Não namoro. E até dou razão para eles. Um francês, o Fred Bousquet, estava namorando e tomou o fora um dia antes da Olimpíada. Ele tinha tudo para ganhar medalha. Foi um desastre. Ficou abalado por causa da menina. Também sei que depois do ouro na Olimpíada passei a ser muito vigiado. Sou fotografado em todas as situações. Não posso colocar um copo de refrigerante na boca e ser fotografado que as pessoas podem pensar que é álcool. Minha vida mudou. Pergunta — Você recebeu convite para apoiar candidatos a prefeito na eleição que passou? Cielo — Sim. Mas neguei. Não quis me expor. E sem querer ajudei a derrubar o então prefeito da minha cidade (Santa Bárbara d'Oeste). O candidato da oposição disse que era uma vergonha a cidade do Cielo não ter uma piscina pública. E venceu em cima disso. Pergunta — Você rompeu com seu empresário, o ex-nadador Fernando Scherer, o Xuxa. Foi difícil? Cielo — Foi duro. Ele era meu ídolo, virou meu amigo. É chato, mas dá para explicar. O Fernando passou a não ter mais tempo para trabalhar as minhas coisas. Colocou uma menina, e eu precisava do contato dele. Ele me ajudou muito, mas resolvi tocar tudo com a melhor empresária do mundo: a minha mãe. Estou supersatisfeto. E mantive a amizade do Xuxa. Pergunta — Você virou o Homem do Ano da revista Vip. Posou em cima de uma moto. Está no caminho de virar celebridade. É raro um nadador no país do futebol se destacar. Cielo — O Gustavo Borges mostrou o caminho. Ele nunca ganhou uma medalha de ouro, mas conseguiu resultados significativos que influenciaram uma geração de crianças que passou a nadar por causa dele. Sou um dos seus fãs. É ótimo ficar conhecido, mas são as conseqüências para a natação do Brasil o que mais me interessam. Não quero virar celebridade besta que sai em revista de fofoca. Quero ser importante para a natação brasileira. Pergunta — Como está o assédio das mulheres no Brasil? Cielo - Ah... Está bom, né? Mas tem uns exageros. O maior mico foi a Monique Evans, que veio tirando a minha roupa para o programa dela. Abriu minha camisa, queria baixar minha calça. Saí correndo. Agora, é legal ver mulheres da Playboy me paquerarem. Gente que vi nas capas da revista me dando a maior bola. Mas, no Brasil, queria conhecer a Deborah Secco e a Alinne Moraes. Isso se elas estiverem solteiras. Não quero rolo para o meu lado. Nos EUA, meu sonho de consumo é a Scarlett Johansson. Pergunta — E como você viu a cobertura da natação em Pequim? Cielo - Ah, tinha um monte de gente que não tinha a menor noção do acontecia. Um cara na China veio me entrevistar e me chamou de Thiago Pereira o tempo todo. Respondi só para tirar onda dele. Outro elogiou para a minha mãe a virada que dei nos 50 metros quando ganhei a medalha. Nos 50 metros não tem virada! É muita estupidez e despreparo. A maioria dos jornalistas na China caiu de pára-quedas. Fingimos que não percebemos. A moçada entende só de futebol. Pergunta — Você não foi reconhecido nem por repórter brasileiro? E as medalhas que tinha conseguido no Pan não valeram? Cielo - Vou falar a verdade: fora do Brasil, o Pan não é nada. A minha faculdade não coloca no meu currículo as medalhas do Pan. Acham que até iria desvalorizar. Os EUA vieram para o Brasil com o time C. A verdade é essa. Houve muita festa à toa. Pergunta — No Pan você foi coadjuvante do Thiago Pereira. Depois explodiu na Olimpíada. Muitos, principalmente patrocinadores, admitem o erro de avaliação. Cielo - Não vou negar que o Thiago é um grande nadador. Mas me deixaram em segundo plano. Sabia que as provas que ganhei eram difíceis. Mas não iria tirar o mérito de ninguém. Se não viram o meu mérito, o problema não é meu. Agora que corram atrás. Pergunta — Você vai nadar quantas Olimpíadas? Cielo — Quero nadar enquanto me sentir bem. Darei o máximo e sei que chegarei ao ápice em 2012. Me esforçarei para ir até 2016 motivado. Se estiver de saco cheio, paro. Antes quero alcançar o recorde mundial e queimar o papel que está no teto do meu quarto nos EUA (referindo-se à meta de 21s nos 50m livre). Pergunta — E o seu Réveillon? Cielo — Ah, será como o último. Tenho certeza. Às 6h estarei na piscina, lá na minha faculdade. Como virou tradição, o meu técnico me fará nadar 365 vezes a piscina de 25 metros. Ele diz que é para ter sorte em todos os dias do ano. Principais títulos de Cielo Jogos Olímpicos de Pequim/2008 > Ouro nos 50m livre — 21s30, em 16/8/2008 (recorde sul-americano) > Bronze nos 100m livre — 47s67, em 14/8/2008 (recorde sul-americano) Pan-Americano do Rio/2007 > Ouro nos 100m livre — 48s79, em 18/7/2007 > Ouro no revezamento 4x100m livre — 3min15s90, em 20/7/2007 > Ouro nos 50m livre — 21s84, em 22/7/2007 > Prata no revezamento 4x100m medley — 3min35s81, em 22/7/2007

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